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sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Numerais egípcios

O sistema de numeração utilizado no Egito antigo pode ser descrito, em terminologia moderna, como um sistema decimal não posicional (valor de posição). Tanto na escrita hieroglífica, como na hierática, que se desenvolverem a par desde 3300 a.C. (Imhausen) os egípcios utilizavam diferentes símbolos para 1 , 10, 100 , 1000, 10 000 , 100 000 e 1 000 000.

Símbolos da escrita hieroglífica 
Encontra-se, essencialmente, em túmulos, em monumentos e objetos de pedra.


Não se conhece a razão da escolha dos símbolos que representavam cada um dos números.
O número 1 era representado por um traço simples, o número dois por dois traços, etc. O número 10 é representado por uma asa de cesto, de acordo com alguns autores, mas de acordo com outros representa um  ...: O número 100 é representado por uma corda enrolada, uma possível hipótese para tal representação pode ser o facto de se utilizar uma corda com 100 cúbitos ter sido utilizado como medida para determinar as dimensões desconhecidas de terrenos.  
110100100010 000100 0001 000 000
Z1
V20
V1
M12
D50
I8
C11

O número 1000 é representado por uma flor de lótus. O 10 000 por um dedo - mais uma vez, uma possível hipótese para tal representação pode ser o facto  de 10 000 ser 10 vezes de 1000 e, assim, criar a associação aos nossos dez dedos. O número 100 000 foi representado pelo hieróglifo de um girino - provavelmente devido ao facto de terem observado de que estes aparecem muitas vezes em grande número. O maior símbolos egípcio para um número foi um deus sentado que representa  1 000 000, ou de acordo com alguns autores uma quantidade muito elevada, mas naõ específica.

Para escrever um número específico, cada um destes símbolos era repetido tantas vezes quantas as necessárias.

Placa identificadora em osso encontrado num túmulo (3100 a. C.)
Por exemplo, na placa da imagem está escrito o número 135, utilizando-se uma vez o símbolo de 100, 3 vezes o símbolo de 10 e 5 vezes o símbolo de 1.  
Como o sistema egípcio era não  posicional, os símbolos, especialmente os que representam os números menores (1, 10 e 100), eram agrupados de forma adequada, para caber no espaço disponível ou para uma melhor representação gráfica. Por exemplo, no caso da placa da figura acima, os símbolos estão escritos de cima para baixo do maior para o menor número. Os símbolos também podiam ser representados da direita para a esquerda ou da esquerda para a direita; mas sempre do maior para o menor, mudando a sua direção, tal como se descreve na tabela abaixo:


Como o sistema de numeração egípcio era não posicional não existia um símbolo para o zero, para escrever 205 bastava não representar o símbolo de dez.

sábado, 21 de dezembro de 2013

Os burgueses enganados

No início do século XX, várias versões do problema de Josephus aparecem em forma de puzzle, que são comercializados.

Nas versões francesas, de cerca de 1900, os puzzles são compostos por 10 cubos, representando dois conjuntos de personagens: dois burgueses e oito estudantes. O mesmo problema aparece com vários títulos e designs:


Les bourgeois punis

  
Les bourgeois dupés

Le quart d'heure de Rabelais
 O puzzle descrito na caixa do Les bourgeois dupés é o seguinte:

Oito alunos que se pretendem divertir, encontram-se num estabelecimento, sentados à volta de uma mesa, onde ainda há dois lugares livres. Dois burgueses sedentos de participar nas suas conversas animadas, pedem-lhes permissão de ocuparem os lugares vagos da mesa. Eles lha darão de bom coração, mas com a condição seguinte:
É costume entre eles, a seguir a cada serão, de decidir quem paga a conta. Para tal, ao se contarem, o 7.º nada tem a pagar, e continuam, e os dois últimos, que nunca foram o 7.º, pagam a conta.
É conveniente que um aluno escolha de antemão a pessoa porque vai começar.
O objetivo é colocar os dois burgueses de tal forma que estes sejam os dois últimos e sejam obrigados a pagar.

O mesmo problema aparece na língua inglesa, com data desconhecida. As personagens continuam ser os estudantes, e o contexto exatamente o mesmo. Existem duas versões, uma em que apenas um dos dois "citadinos" paga a conta, e outro em que são os dois "desconhecidos" que pagam a conta.

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

O(s) sobrevivente(s)


Página em construção


Ilustração do problema no artigo Test Your Wits on These Mathematical Puzzles (Mar, 1932)

Eis uma versão do problema retirado de um aritmética portuguesa datada de 1555,Tratado da Arte da Aritmética, de Bento Fernandes

15 Mouros e 15 Cristãos
Quinze cristãos navegando pelo mar toparam uma galé de mouros que trazia 15 mouros e pelejaram tanto, de uma parte e da outra, que se não puderam vencer e abalroaram os mouros e entraram dentro. E quando se acharam tantos de uma parte como da outra vieram a partido que se pusessem todos numa roda os mouros entre os cristãos e que contassem de 1 a 9. E em quem acertasse, quer fosse cristão ou mouro, o lançassem ao mar como chegasse a 9. E assim fossem contando, sempre por diante, até chegar a 9 não tornando para trás. E se acertasse de cair nos cristãos os deitassem ao mar e os mouros levassem a presa e acertando nos mouros os deitassem ao mar e os cristãos levassem a presa.
Pergunto: de que modo se devem pôr os cristãos e os mouros entre eles para que os mouros se deitem todos ao mar e os cristãos fiquem com a vitória?

O autor português persegue com a resolução:

E por que entre os cristãos havia um homem experimentado na conta, os pôs em ordem de modo que os mouros foram todos lançados ao mar e ficaram os cristãos vivos e com vencimento.
E a maneira como se fez sabereis agora: primeiro põe 4 cristãos e depois 5 mouros e depois 2 cristãos e logo 1 mouro; e adiante 3 cristãos e depois 1 mouro; depois 1 cristão e depois 2 mouros  e adiante 2 cristãos e logo 3 mouros; e depois 1 cristão e depois 2 mouros; e depois 2 cristãos e adiante 1 mouro.
E assim fazem por todos 30, entre cristãos e mouros, e postos assim em ordem, em roda, como está dito, começando a contar primeiro dos 4 cristãos por diante até chegar a 9, contando adiante sempre sem tornar atrás até chegar a outros 9 e como chegar a 9, lançá-lo ao mar...
Diagrama do manuscrito do francês Nicolas Chuquet, 1484

Outras versões do problema

Este problema envolve determinar a posição inicial das pessoas que permanecem na roda, inicialmente com um determinado número N de pessoas, depois de algumas terem sido eliminadas através de um processo de contagem de m em m, que tem início numa determinada posição.

O número de pessoas, inicialmente na roda, e o processo de contagem variou ao longo do tempo e de autor para autor, assim como o número de sobreviventes no final da contagem, mas, essencialmente, as versões mais comuns são as seguintes:
  • as pessoas estão divididas em dois grupos, um dos quais é eliminado;
  • apenas uma das pessoas sobrevive, ou seja todos, excepto a última pessoa, são eliminadas.


A origem do problema

A primeira versão do problema parece ser a mais popular nas aritméticas dos séculos XV e XVII e a mais antiga Smith intitula este tipo de problemas por Cristãos e Turcos. O problema tem origem no folclore irlandês do século IX (Murphy, 1942) , com proveniência nalguma brincadeira infantil.
No folclore irlandês os dois grupos são seleccionados por uma mulher, e em vez da distinção associada à religião, comum à maioria do problemas nas diversas culturas, a distinção tem a ver com questões amorosas. (Murphy, 1942)

A segunda versão do problema aparece em muitos autores Japoneses, não se sabe ao certo a sua origem.  
Alguns autores alegam que o problema poderá ter sido importado para o Japão por Jesuítas portugueses, mas para David Singmaster  o problema terá aparecido do Japão, no século XI, independentemente da Europa, a seguinte versão aparece num manuscrito japonês de 1627. 
  
Era uma vez, um rico agricultor que tinha 30 filhos, 15 da sua primeira mulher, que tinha morrido, e 15 da sua segunda mulher. A segunda mulher estava ansioso que seu filho mais velho deve herdasse a propriedade. Então um dia ela lhe disse:
"Querido marido,devemos resolver quem será o teu herdeiro. Vamos organizar os nossos 30 filhos num círculo, e contando a partir de um deles de 10 em 10, retiramos todos os filhos até ficar só um, que será o seu herdeiro ". 

A proposta parecia razoável. Mas há medida que decorria o processo de seleção, o agricultor ficou surpreendido ao notar que os primeiros 14 filhos a serem excluídos eram os da sua primeira esposa, e apercebeu-se que o próximo a sair do círculo seria o único filho da sua primeira mulher que ainda se encontrava no círculo. Então ele sugeriu que deveriam ver o que aconteceria se começassem a contar para trás a partir deste seu filho. A mulher, forçado a tomar uma decisão imediata, e refletindo que as hipóteses eram agora 15 para 1 em favor dos seus filhos, concordou.


ilustração do livro japonês Shinpen jinkoki, 1627

  
Ilustação do livro japonês Jingoki deYoshida Mitsuyoshi, 1634
Parece ter sido Cardano, em 1539, que associou o problema pela primeira vez a Josephus Flavius [Flávio Josepo)

Josephus Flavius um judeu do século I,  enfrentou as tropas romanas  em 67 que invadiram a cidade de Jotapata. Ele e quarenta homens, esconderam-se em uma cisterna. Com a descoberta do esconderijo, foi-lhes proposto que se rendessem, mas preferiram o suicídio coletivo. Josefo terá sugerido colocarem-se em círculo e de três em três uma pessoa seria morta, até que houvesse só uma pessoa no final que se suicidaria; no fim apenas Josefo e mais um homem permaneceram vivos, que tinham escolhido as posições 31.ª e 16.ª do círculo.



Janela da Real Basílica do Santuário de Vera Cruz. A aplicação da resolução do problema de Josephus permitiu uma reorganização d
os sinais ao redor da janela e facilitou sua tradução, pelo historiador  Pablo Alonso.

Personagens e culturas
Maior parte dos autores que mencionam este problema dão exactamente a versão de Bento Fernandes transcrita em cima. No entanto, as personagens da história nem sempre são as mesmas.

A versão mais comum, durante a Idade Média na Europa envolve 15 cristãos e 15 turcos durante uma tempestade, mas é vulgar os turcos serem substituídos por sarracenosmouros (no caso português) e judeus, no final, como seria de esperar, os cristãos sobrevivem.

Fillipo Calandri, em cerca de 1500, fornece uma versão com duas ordens religiosas, os Franciscanos e os Calmodolesos numa peregrinação a São Sepulcro, como se pode ver na imagem, é um franciscano que comanda a distribuição, donde de pode deduzir qual o grupo de sobreviventes!

Quando a versão é fornecida por muçulmanos, como por exemplo al-Safadi, cerca de 1370, são os infiéis, que no final, são totalmente dizimados, e os muçulmanos salvos.

No texto, do judeu espanhol ben-EzraTa'hbula de cerca de 1150, ao que parece, a personagem que faz a distribuição é o próprio ben-Erza, distribuindo os 15 alunos e os 15 patifes, de tal forma que os alunos são salvos. Ao que se sabe a versão de ben-Ezra é a primeira a história aparece contada num barco.

Numa história indiana 15 homens bons são salvos e 15 ladrões são dizimados

No século XX, várias versões aparecem em forma de puzzle, que são comercializados.

A seguinte versão foi comercializada pela empresa londrina 
Unicorn Products Ltd., em cerca de 1930.


CANNY SKIPPER PUZZLE
Neste puzzle existe um tabuleiro de jogo onde está representado um barco com 30 lugares e 15 peças pretas e 15 peças brancas, representado os britânicos e os bandidos. 

Para outras versões ver: Os burgueses enganados.

Grupos e contagens

Embora maior parte dos autores tenha dado a versão envolvendo dois grupos de 15 personagens, cada, e em que um dos grupos é eliminado após uma contagem de 9 em 9. Muitos referem outras versões.

Tartaglia (1499 - 1557), por exemplo, dá exemplos com 15 judeus e 15 cristãos, contados desde 3 a 3 até 12 a 12. A imagem ao lado refere-se ao diagrama apresentado por Buteo, em 1559, para a resolução, dos 15 judeus e 15 cristãos contados de 10 em 10.
Chuquet, no seu Triparty, de 1484, generaliza dizendo que podemos ter grupos de 18 cristãos e 18 judeus, ou 24 cristãos e 24 judeus, ou qualquer outro número de pessoas, contados de 10 em 10 ou de 11 em 11 ou como quisermos.

Pacioli (1445 - 1517), em De Viribus quantitatis, fornece três versões com apenas 2 cristãos. Uma, apresentada ao lado, com 30 judeus, contados de 9 em 9, salvando-se, no final, os cristãos. E ainda, os dois exemplos seguintes:

2 cristãos e 18 judeus, contados de 7 em 7
  2 cristãos e 30 judeus, contados de 7 em 7.

O problema também aparece só se salvando no final uma das pessoas. Provavelmente o primeiro matemático a introduzir esta versão foi Girolamo Cardano, em 1539. Euler, no seu livro de 1775, Observationes circa novum et singulare progressionum genus, parece ter sido o primeiro a considerar um algoritmo geral para o caso de um único sobrevivente.

Na seguinte página poderá jogar este problema, escolhendo um número de pessoas até 50 e a contagem que pretender:



O problema pode ser generalizado a qualquer número de pessoas, havendo no final um qualquer número de sobreviventes e efectuando-se a contagem que se pretender!

Resolução e mnemónicas

Caso não se pretenda um algoritmo que permita determinar a posição em que se é eliminado, o problema é fácil de resolver. Ozanam, 1778, sugere a seguinte resolução aplicada ao caso em que se quer eliminar 10 pessoas de um total de 40, contando de 12 em 12. 

Colocam-se em círculos 40 «zeros» e começando pelo primeiro, marca-se no décimo segundo uma cruz, continuamos a contar até 12 e marca-se igualmente uma cruz, e assim sucessivamente, tendo em atenção que se deve passar por cima dos que já estão marcados, ..., e então contando a posição [que os marcados] ocupam, começando pelo primeiro, conhecemos facilmente aqueles sobre os quais caí, necessariamente, a contagem de 12 em 12.

Embora o problema seja de muito fácil resolução, muitos autores, a partir do século XII, desenvolveram mnemónicas para se saber, como dispor os «bons» e «maus».  A mais comum para o problema dos 15 cristãos e 15 turcos, contados de 9 em 9, dada, por exemplo, por Chuquet é:
  4  5  21     3   1       1 2    2 3  1  2  2 1
Populeam virgam mater regina tenebat

Em que a = 1, e = 2, i = 3, o = 4, u = 5
e que nos indica que se deve começar por 4 cristãos, seguidos de 5 turcos (judeus), depois 2 cristãos, ...

As duas mnemónicas seguintes têm a mesma equivalência entre as vogais e os algarismos:
Pacioli (1445 - 1517)
Ozaman, 1778


Página criada a 01-04-2004                                                  Última atualização 20-12-2013

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Área de retângulos


No Egipto


Tanto o papiro egípcio de Moscovo como o de Kahun, do 2.º milénio a.C.,  contém problemas envolvendo áreas de figuras que são, pelo menos aparentemente, retângulos. Em ambos os casos as áreas são calculadas tal como o fazemos hoje em dia, ou seja, multiplicando o comprimento pela largura.

Um dos problemas do papiro de Kahun refere que:


A área de 40 cúbitos por 30 cúbitos deve ser dividida em 10 áreas, cada uma das quais com uma largura de 1/2 e 1/4 do seu comprimento.

A área do rectângulo grande é calculada multiplicando as suas dimensões, ou seja, fazendo 40 x 30 = 120

Outras culturas


A área do rectângulo grande é calculada multiplicando as suas dimensões, ou seja, fazendo 40 x 30 = 120.

A área de rectângulos parece ter sido conhecida por todas as civilizações e não ter levantado qualquer tipo de questões. Os Babilónios também a conheciam e calculavam-na através do produto do comprimento de dois lados adjacentes do retângulo.

Última actualização 16-04-2007

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Travessias

O lobo a cabra e a couve


Ilustração do livro "Problem Solving Through Recreational Mathematics", 1980

Um lobo, uma cabra e uma couve têm de atravessar um rio num barco que transporta um de cada vez, incluindo o barqueiro. Como é que o barqueiro os levará para o outro lado de forma que a cabra não coma a couve e o lobo não coma a cabra?
Como é evidente neste problema, o lobo não pode ser deixado sozinho com a cabra, nem a cabra com a couve.
Ilustração da capa do livro  Introduction to the Design and Analysis of Algorithms de Anany Levitin 

A primeira versão escrita do problema

A primeira versão escrita deste problema é atribuída a Alcuino de York (Problema 18 de Propositiones ad Acuendos Juvenesséculo IX). 

Na sua resolução, Alcuino começa por transportar a cabra, depois volta para transportar o lobo para a outra margem, trazendo a cabra de volta, depois leva a couve, voltando por fim para vir buscar a cabra. 



Ilustração do manuscrito Ormesby Psalter do séc. XIII (Oxford, Bodleian Library MS Douce 366, fol. 89r )

O problema na cultura popular

Segundo Marcia Ascher, o problema encontra-se sob a forma de enigma popular em várias culturas: gaulesa, russa, italiana, romana, saxónica, americana, africana. De acordo com cada uma das culturas, as personagens do problema variam.
O problema deve ter chegado à América via Europa , mas neste país as personagens mudam, e o problema aparece da seguinte forma num tratado de aritmética do século XVIII:

A raposa, o ganso e o cesto de milho

Um fazendeiro tinha de atravessar o rio com uma raposa, um ganso e um cesto de milho. O seu barco só podia transportar um objecto além do homem. Quantas viagens é que ele fez?

É possível resolver este problema, on-line em:



Ou fazer o download de um programa, com este problema em:


Marcia Ascher dá-nos conta de várias versões do folclore africano, das personagens da sua história e de outras pequenas alterações, eis alguns exemplos:
   Cabo Verde –as personagens são um lobo, uma cabra e uma couve;       
   Camarões – as personagens são um tigre, um carneiro e uma braçada de junco, o rio é substituído por uma ribeira, e o meio de passagem deixa de ser um barco para passar a ser um tronco de árvore; 
   Argélia – as personagens são um chacal, uma cabra e uma molho de feno, mas neste caso o barco pode transportar dois objectos além do barqueiro; 
  Libéria – as personagens são um leopardo, um bode e um feixe de folhas de mandioca; mas o barco transporta além do barqueiro dois objectos; 
  Zâmbia – os objectos a transportar no barco passam a ser quatro: um leopardo, uma cabra, um rato e um cesto de grãos de kafir; mas o barco só pode transportar um objecto além do barqueiro. Ao aumentar o número de objectos de 3 para 4, o problema torna-se impossível; na tradição oral, o homem acaba por desistir de atravessar o rio; 
  Quénia – a versão é bem diferente das anteriores. Nela três homens casaram recentemente.  Os três casais querem atravessar o rio para ir ao mercado O barco só pode transportar duas pessoas. Mas nenhum dos homens quer deixar a sua mulher com outro homem, nem no barco nem na praia. Todos os homens e mulheres sabem remar.

Puzzle vendido por Rudolf Ackermann em Londres, entre 1798-1826, o envelope continha as figuras do lobo da cabra e da couve e dos três maridos ciumentos e as suas mulheres, assim como o barco.

Ivars Peterson relata a seguinte variante, que aparece na  Rússia, no séc. XX:


Três soldados e dois rapazes
Três soldados têm de atravessar um rio que não tem ponte. Dois rapazes concordaram em ajudar os soldados, Mas o barco é tão pequeno que só dá para um soldado ou para os dois rapazes. Um soldado e um rapaz não podem estar no barco ao mesmo tempo. Dado que nenhum dos soldados sabe nadar, parece que nestas circunstâncias apenas um soldado consegue atravessar o rio. No entanto, os três soldados acabam por conseguir atravessar o rio e devolvem o barco aos rapazes. Como é que conseguiram?  

Outras versões do problema


A versão popular do Quénia aparece igualmente em Alcuino (problema 17), neste aos três casais recém casados são “substituídos” por 3 pares de irmãos:


Três homens e três irmãs
Havia três homens, cada um tendo uma irmã solteira, que precisavam de atravessar um rio. Cada homem desejava as irmãs dos seus amigos. Ao chegar ao rio, encontraram um pequeno barco no qual, de cada vez, só podiam atravessar o rio duas pessoas.
Como é que atravessaram o rio, de tal forma que nenhuma das irmãs seja desonrada por um dos homens. 

Alcuino fornece igualmente uma versão de um casal: pai e mãe e duas crianças pequenas, no qual o barco só pode levar um adulto ou as duas crianças (problema 19).

O problema com o lobo, a cabra e a couve, aparece posteriormente no manuscrito de Chuquet (1484).  Chuquet resolve de forma semelhante a Alcuino, mas depois de transportar a cabra para a outra margem, volta e transporta a couve, depois traz a cabra de volta e transporta o lobo, por fim vem sozinho para finalmente passar a cabra para a outra margem do rio.

Pacioli em De Viribus (c. de 1500), volta a colocar o problema das três mulheres e dos três maridos ciumentos:

Três mulheres e três maridos ciumentos
Três maridos e suas respectivas mulheres devem atravessar um rio numa barca que só transporta no máximo duas pessoas.
Os maridos são muito ciumentos, e nenhuma mulher deve ficar com outro homem a não ser na presença do seu marido. Como farão os três casais para atravessarem o rio?


Ilustração do problema, num manuscrito italiano do séc. XIV
Pacioli coloca o problema para 4 ou 5 casais, mas coloca a condição do barco transportar 3 pessoas a bordo.

Esta é a versão de Herny Ernest Dudeney (1857-1930) do problema para cinco casais com a condição de o barco levar 3 pessoas, no contexto de uma inundação:

Durante umas inundações cinco casais ficaram cercados por água e tiveram de fugir num barco que só podia transportar três pessoas de cada vez. Cada marido era tão ciumento que  não permitia que a sua mulher estivesse no barco ou em qualquer outro local com outro homem (ou com outros homens) a não ser que ele próprio estivesse presente. Qual é a maneira mais rápida de colocar estes cinco homens e as suas mulheres em segurança?

Tartaglia (1499 – 1557) apresenta o problema para quatro casais, mas mantém a condição de do barco só levar 2 pessoas, o que torna o problema impossível!




Aparentemente a primeira generalização do problema aparece em Bachet de Méziriac (1612):
Três mulheres e três maridos ciumentos
(generalização)
Um número qualquer n de maridos encontra-se com as suas mulheres para passarem um rio, e avistam um barco sem barqueiro; esse barco não transporta mais do que (n – 1) pessoas. Pergunta-se como é que essas 2n pessoas passarão o rio, de tal forma que nenhuma das mulheres permaneça na companhia de outro homem, ou de outros homens, se o seu marido não estiver presente.


Puzzle, feito em madeira,  Bepuzzled, 1997,  Canada

Cadet de Fontanay, em 1879, um jovem aluno do liceu de Montpellier, acrescentou uma ilha ao problema:
A ilha


Um número qualquer de maridos, estão com a suas mulheres para atravessar um rio; encontram um barco tão pequeno que, que ele não leva senão duas pessoas. O rio tem uma ilha na qual eles podem descansar. Pergunta-se como é que todas as pessoas atravessam o rio, de tal forma que nenhuma das mulheres fique, seja nas duas margens, no barco ou no rio, na companhia de um ou mais homens, sem que o seu marido esteja presente.  
Por sua vez Édouard Lucas (1892), generaliza o problema da seguinte forma:
Um número qualquer n de maridos encontra-se com as suas mulheres para passarem um rio, qual deve ser o número mínimo x de pessoas que um barco pode conter, para efectuar a travessia, sem barqueiro, com a condição que uma mulher não permaneça no barco ou numa das margens do rio na companhia de um ou de vários homens, sem que o seu marido esteja presente. 

Muitos outros autores mudaram as personagem ou o contexto do problema ao longo da história.
Joe Jackson (1821) e Mittenzwey (1880), transformam os maridos e as mulheres, em patrões e criados:

Três patrões e três criados 
Três patrões e três criados devem atravessar um rio numa barca que pode transportar no máximo duas pessoas. Nenhum dos patrões suporta os serviços dos outros dois criados; de tal forma que se algum deles for deixado com algum dos outros dois criados, infalivelmente o vaiará. 
Herny Ernest Dudeney (1857-1930), apresenta a seguinte versão:
O oficial e os seus soldados
Durante a debandada turca na Trácia, um pequeno destacamento viu-se confrontado com um largo e fundo rio. No entanto, descobriram um barco com duas crianças a remar. Era tão pequeno que só podia transportar as duas crianças ou um adulto.  
Como é que o oficial e os seus 357 soldados atravessaram o rio e deixaram as duas crianças na posse do seu barco? E quantas vezes teve o barco de passar de uma margem para  a outra?
A versão actual mais conhecida do problema é a seguinte:     

Três missionários e três canibais

Numa pequena ilha do Pacífico Sul, três missionários e três canibais estão encalhados, numa ilha, com apenas um pequeno barco para chegar a terra firme. Ao planificarem o transporte para terra, os missionários sabem que não podem confiar nos canibais. Por isso, para se salvaguardarem, estabelecem a regra de que os missionários nunca devem estar em menor número do que os canibais, nem na ilha, nem em terra, nem durante o transporte.   
Este problema é citado por Vera Sanford  em 1927, pensa-se que tem origem no século XIX! Pode ser resolvido on-line no site:

http://cs.millersville.edu/~webster/mucs.dir/demos/miss.dir/cannibal.html

Boo Boogy Mans um puzzle  comercializado pela Sherms de Connecticut, nos anos 40 do século XX. A caixa contém 6 peças de duas cores diferentes (3 de cada cor), e um pequeno barco. No interior da caixa está desenhado um rio.  

Pesos
Leonardo Scardini, de Curitiba, no Brasil, propõe o seguinte problema que envolve o peso (massa) dos viajantes:

Três homens, pesando 50, 75 e 120 kg querem atravessar um rio, mas o barco que possuem tem capacidade máxima de 150 kg. Como devem proceder para atravessar o rio?

De acordo, com algumas fontes (não muito seguras) as primeiras versões que envolvem pesos devem-se a Tartaglia.


A seguinte versão, com pesos, é de um livro americano de 1905 (Swetz, 2012):

Um homem com a sua mulher e dois filhos pretende atravessar um rio. Têm um barco que apenas transporta 100 libras. O homem pesa 100 libras, a sua mulher pesa 100 libras e cada um dos seus filhos pesa 50 libras. Como podem todos atravessar o rio, utilizando o barco?



O tesouro
Herny Ernest Dudeney (1857-1930), apresenta a seguinte versão, que envolve o transporte de dinheiro:


Três compatriotas encontraram um tesouro, e dividiram-no entre eles: Giles ficou com £ 800,  Jasper com £ 500, e Timothy com £ 300. Voltaram ao rio onde tinham deixado um pequeno barco, mas encontraram uma dificuldade que não tinham previsto. O barco só levava dois homens, ou um homem e um saco , e eles tinham tão pouca confiança uns nos outros que nenhuma deles poderia ser deixado sozinho nem terra ou nem no barco com mais do que a sua parte do tesouro, embora duas pessoas pudessem ficar com mais do as suas partes. Qual é o menor número de vezes em que eles podem atravessar o rio?

Novas versões do problema

Novas versões deste problema podem ser imaginadas por todos.
Esta é a versão apresentada por Ken Johnson e Ted Herr no livro Problem Solving Strategies: Crossing the River with Dogs and Other Mathematical Adventures.


Cinco elementos de uma família e os seus cinco cães (cada elemento da família é dono de um cão), estavam a fazer uma caminhada quando encontraram um rio que tinham de atravessar. Alugaram um barco que apenas transportava três coisas: pessoas ou cães. Infelizmente, os cães eram temperamentais. Cada um deles só se sentia bem com o seu dono e não podia estar ficar com outra pessoa, nem mesmo momentaneamente, a não ser que o seu dono estivesse presente. No entanto, os cães podiam estar perto de outros cães. A travessia teria sido impossível, se não fosse o cão da Lisa ter frequentado uma escola e saber comandar o barco. Mais nenhum cão eram assim tão bem educado.
De que forma é que a travessia do rio foi feita, e quantas viagens é que fizeram?

Alguns leitores deste sítio propuseram novas versões deste problemas, a seguinte curiosamente envolve igualmente cães:

Um grupo de pessoas precisa atravessar um rio em um pequeno barco. Desse grupo fazem parte um agricultor (A), uma ama (B), duas meninas (m1 e m2), dois meninos (g1 e g2), um cachorro (c) e o treinador de cães (T). A travessia tem algumas regras que precisam ser obedecidas:
O barquinho só tem 2 lugares e só as pessoas adultas (identificadas com letras maiúsculas) podem operá-lo, ou seja, toda travessia tem que ter pelo menos um adulto.
O Agricultor não pode ficar com as meninas sem que a ama esteja por perto.
A ama não pode ficar com os meninos sem o agricultor estar por perto.
O cachorro morde qualquer pessoa se o treinador não estiver por perto.
Tente levar todo o grupo para o outro lado do rio como menor número de viagens possível.





Criação: 04-12-2002   Última atualização: 12-12-2013

sábado, 30 de novembro de 2013

Cálculo de áreas

A necessidade de calcular áreas de terrenos levou várias civilizações a desenvolver técnicas para o fazer. Essa necessidade está bem documentada no Egito antigo.


No Egito

A medição de terrenos

A necessidade de medir os campos no Egito é relatada por Heródoto, filósofo grego do século V a.C. Segundo Heródoto sempre que o Nilo inundava era necessário determinar a quantidade de terra que os agricultores perdiam, uma vez que deveriam pagar uma taxa, ao rei Sesostris III (cerca de 1872-1853 a. C.), que deveria ser proporcional à taxa imposta antes da inundação das terras.


Quando o Nilo transborda, cobre o Delta e as terras chamadas Líbia e Arábia, numa distância de uma viagem de dois dias desde as duas margens, …, não consegui saber nada da sua natureza, nem dos sacerdotes nem de qualquer outra pessoa. Tinha curiosidade em saber por que é que o rio transborda durante cem dias desde o solstício de Verão, …, e o rio está baixo durante todo o Inverno até transbordar de novo no solstício de Verão. …
Por esta razão o Egito foi dividido. Disseram-me que este rei (Sesóstris) repartiu todo o país entre os egípcios, dando a cada um uma porção igual de terra, e fê-lo sua fonte de rendimento, avaliando o pagamento de um tributo anual. E se qualquer homem que fosse roubado pelo Nilo de uma porção de suas terras podia dirigir-se a Sesóstris e expor a ocorrência, então o rei enviaria um homem para verificar e calcular e parte pela qual a terra tinha sido reduzida
, de tal forma que a partir dessa altura ele deveria pagar proporcionalmente ao tributo imposto originalmente.
Esta foi a forma como, na minha opinião, os Gregos aprenderam a arte de medir a terra; os relógios de
 
sol, os gnomos e as doze divisões do dia, vêm para a Grécia da Babilónia e não do Egito.
Heródoto (II, 109)

Embora Heródoto tenha relatado história mais de 1000 anos após Sesóstris ter vivido, parece não haver dúvidas de que os antigos egípcios colectavam taxas, ou pelos menos impostos. Pelo menos, esse parecia ser um dos deveres dos escribas egípcios de acordo com o texto de cerca de 1250 a.C. «A educação de Amenemope». 

A educação de Amenemope, 1250 a. C.
Os escribas tinham como funções registar as fronteiras das terras, os impostos, as terras, e ao medi-las deveriam ser cuidadosos ao utilizar a corda. Esta medição deveria ter como objectivo determinar a área do terreno, tal como relata o seguinte extrato.

Que registas as marcas das fronteiras dos terrenos.
Que fazes, para o rei, a sua listagem de taxas.
Que registas as terras do Egito.
O escriba que determina as oferendas para todos os deuses.
Que dás a escritura das terras ao povo.
O fiscal dos cereais, provedor da comida.
Que forneces os celeiros, de cereais…
Não movas as marcas das fronteiras dos terrenos.
Nem movas a posição da corda de medir.
Não sejas mesquinho no cúbito de terra.
Nem invadas as fronteiras da janela.
The Instruction of Amenemope, New Kingdom
M. Lichtheim, Ancient Egyptian Literature, Volume II,  pp. 448

Escriba inspeccionando a pedra de fronteira dos terrenos, túmulo do escriba Nebamun (1400 a 1390 a.C.)

As cordas de nós

Para medir os terrenos os escribas utilizavam uma corda com nós. Há várias representações de harpedonaptae, esticadores de cordas, tal como, Demócrito1 (cerca de 410 a.C.) os denominava, em túmulos egípcios. Por exemplo, no túmulo de Menna, escriba que terá vivido, provavelmente no século XIV a.C., encontra-se uma pintura dos esticadores de cordas, uma outra pintura com esticadores de cordas encontra-se no túmulo do escriba Djeserkareseneb, também da mesma época.

Esticadores de cordas, túmulo de Menna (século XIV a. C.)
Esticadores de cordas, túmulo de Djeserkareseneb (1405 a 1395 a. C.)
Os nós poderiam servir como subdivisões, e as cordas mediam, provavelmente, um cúbito real2.

Das cordas às áreas de terrenos

Há evidências de que os egípcios sabiam calcular, pelo menos aproximadamente, a área das terras. Nos papiros egípcios, mais antigos, com conteúdos matemáticos, o papiro de Rhind , de Moscovo, e de Kahun, do 2.º milénio a.C., contém problemas referentes a áreas de terrenos, envolvendo triângulos, retângulos e outros quadriláteros.

Os egípcios utilizam métodos aproximados de cálculo das áreas dos terrenos, provavelmente, porque seria extraordinariamente difícil determinar com precisão a sua área, o que envolveria nalguns casos ter de dividir  terreno em retângulos e triângulos o que não seria praticável. Alguns autores são da opinião de que os egípcios conheciam a regra para o cálculo da área de triângulos, mas que a dificuldade de, no terreno, determinarem a sua altura relativamente a uma base levava-os a utilizarem, apenas, uma estratégia aproximada para o seu cálculo.


Notas
1
 Demócrito, citado por Clement de Alexandria (c. 215), terá afirmado: “Na construção de linhas, com demonstrações, ainda ninguém me surpreendeu, nem mesmo os Harpedonatae do Egipto”
Provavelmente as cordas tinham 100 cúbitos de comprimento. O cúbito variava entre 52,3 to 52,9 cm.

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