sábado, 4 de janeiro de 2014

Regra de três simples

A regra de três (ou de três simples) tem origem na Índia, alguns autores vêem-na descrita, pelo menos rudimentarmente, nos versos hindus Vedanga  Jyotisa, para uns do período de 1370 - 1150 a.C., para outros de 500 a.C. (Sarma, 2002):


O resultado conhecido deve ser multiplicado pela quantidade requerida e dividido pela quantidade para a qual o resultado conhecido é dado. 

No entanto, o seu desenvolvimento, na Índia, só se dá a partir do século V d.C.

A regra era conhecida na China no século I d.C. e foi introduzida no mundo árabe por volta do século VIII. Na Europa da Idade Média era conhecida por regra de ouro, onde, ela ou as regras de ela derivadas, foram utilizadas para resolver todo o tipo de problemas derivados da ac
tividade comercial. Era de tal forma importante, que todos os mercadores da alta Idade Média a utilizavam e ocupava 20% dos livros de aritmética dos mercadores de então (Smith, 1926, 1958).

O facto de ela ter sido pela primeira vez enunciada na Índia não quer dizer que outras civilizações, como a Egípcia ou a Babilónica não a tenham utilizado na resolução de problemas, mas a sua matemática não envolvia a explicitação de regras apenas a resolução de problemas sem nenhuma explicação teórica ou enunciação de processos para os resolver.


A regra de três na China

A regra de três tem um papel importante na matemática chinesa, ela aparece pela primeira vez no século I d.C., no texto Nove Capítulos da Arte Matemática, no capítulo 2, com a designação de regra de Jinyou, que significa literalmente "agora dados". A regra é descrita da seguinte forma:


Toma o número dado para multiplicar pela razão pedida. O produto é o dividendo. A razão dada é o divisor. Divida.


A regra de três na Índia


Não se sabe ao certo se os conhecimentos chineses sobre a regra de três simples viajaram, ou não, até à Índia no início da era cristã, o que é certo é que ela foi desenvolvida e utilizada pelos matemáticos hindus cerca de quase um milénio após ter aparecido pela primeira vez nos Vedanga  Jyotisa. 
No livro Aryabhatiya, do ano 499, Aryabhata escreveu sobre a regra de três, mas também sobre a regra de cinco, de sete, e outros casos especiais da regra de três (Sarma, 2002). Aryabhata descreve a regra de três, no verso 26, da forma seguinte:


Agora tendo multiplicado a quantidade conhecida como fruto, ligada pela regra de três (trairasika), pela quantidade conhecida que se requer, o resultado obtido deve ser dividido pelo argumento. [O que se obtém] desta [operação] é o fruto correspondente ao que se requer (Sarma, 2002). 

Desta descrição da regra conclui-se que o seu nome vem originalmente da Índia. A designação da regra: Traisasika, fornecida por Aryabatha, significa aquilo que consiste em três quantidades numéricas ou termos (Bronkhorst, 2001; Sarma, 2002).
No comentário do livro de Aryabhata, Bhaskara (c. 600 - c. 680) refere que a primeira coisa a fazer, antes de efectuar os cálculos, é colocar por ordem as três quantidades:



Ao resolver problemas relacionados com a Regra de Três, quando os números são escritos, o sábio deve saber que as duas quantidades iguais devem ser escritas em primeiro e em último lugar, e a quantidade diferente no meio.

Desta regra estabelecida por Bhaskara para a escrita das quantidades e da própria regra de três enunciada por Aryabhata pode-se deduzir o significado da regra de três para os autores hindus.
A regra consiste em alinhar sequencialmente as três quantidades dadas (A-B-C) e depois proceder inversamente, multiplicando o último pelo termo do meio e dividindo pelo primeiro (C x B : A) (Sarma, 2002).
Seria mais lógico começar por dividir B por A de forma a obter a razão unitária, mas tal poderia conduzir a uma fração. Ora o cálculo com frações é mais complexo do que o cálculo com números inteiros, e ao procederem desta forma, ou seja, ao multiplicarem primeiro, a hipóteses de se efectuarem cálculos apenas com números inteiros aumenta.
Vários autores hindus, além de Aryabhata e Bhaskara, referem, nos seus trabalhos, a regra de três e o procedimento para colocar os números sequencialmente, tais como Brahmagupta (c. 598);  Sridhara (c. 750); Mahavıra (c. 800e Bhaskara II (c. 1114).
Por exemplo, Sridhara, no livro Patiganita, refere exactamente a regra, tal como foi explicitada:
Na [resolução de problemas através da] Regra de Três, o argumento e o que se requer, que são do mesmo tipo, devem ser escritos no primeiro e último lugar; o fruto, que é de tipo diferente, deve ser escrito no meio. [Depois de isto ser feito], a [quantidade do meio] multiplicada pela última quantidade deve ser dividida pela primeira quantidade.

A regra de três e a teoria das proporções

A Regra de Três tal como descrita pelos matemáticos hindus não envolve qualquer tipo de conhecimento da teoria das proporções, mas de facto a regra deriva desta teoria. Smith (1958) afirma que a regra de três era concebida sem qualquer sustentação teórica e que apenas mais tarde, por volta do século XVII os autores europeus passam a relacionar a regra de três com a proporção, quando os matemáticos começaram a dar alguma atenção à aritmética comercial. 
Na Índia, pelo menos na visão de Sarma (2002), tal não parece ter sido o caso. Os matemáticos hindus parece terem compreendido que a regra de três era um caso de proporção. Sarma fornece vários argumentos para esta ideia, por um lado no comentário que Bhaskara faz da regra, enunciada por Aryabhata, afirma:

Aqui temos a proposição lógica - se por umas tantas moedas algumas coisas são obtidas, por tantas moedas quantas coisas podem ser obtidas?

Outro dos argumentos fornecidos por Sarma é o facto de Bhattotpala, astrónomo hindu do século X, ter afirmado que as proporções são denominadas a matemática da Regra de Três.
Na resolução de problemas os matemáticos hindus tinham a preocupação de explicar a lógica que estava por detrás da aplicação da regra de três.


A regra de três entre os Árabes 


Não se sabe se a regra de três foi transmitida aos árabes via os hindus, tal como aconteceu com muitos outros conhecimentos matemáticos.
Parece que não tinham, tal como os Hindus, uma designação especial para a regra. O matemático árabe Al-Karajy (c.953-c.1029) refere-se a ela simplesmente por "multiplicação e divisão" (Horup, 2007), mas parece que construíram a regra com base na teoria das proporções dos Elementos de Euclides 
(Horup, 2012).
Al-Khwarizmi (c. 780- c. 850) refere que os problemas que envolvem transações comerciais, compreendem sempre duas noções e quatro números: medida e preço e quantidade e soma (Rosen, 1986). Os quatro números que refere estão em proporção,
"o número que expressa a medida é inversamente proporcionado ao número que expressa a soma e o número do preço inversamente proporcionado ao da quantidade. Três destes números são sempre conhecidos, e isto está implícito quando uma pessoa diz quanto? E este é o objecto da questão....Depois multiplica estes dois números em proporção um pelo outro e divide pelo terceiro, o que lhe está proporcionado com este é desconhecido. O quociente desta divisão é o número desconhecido, ...e é inversamente proporcionado ao divisor".
(Rosen, 1986, p. 68).

Pode-se resumidamente transcrever para linguagem simbólica a descrição da regra de al-Khwarizmi, sendo a, b e A, B tais que a : b = A : B então a = bA/B e b = aB/A. 

A grande diferença da regra de al-Kharizmi para a regra tal como descrita pelos matemáticos Hindus é que neste caso não há qualquer dúvida que este matemático compreendia a necessidade de as quantidades envolvidas nos problemas terem de estar em proporção, caso contrário a regra não se poderia aplicar.

Vários matemáticos árabes referem-se à regra sem nunca a designarem, fazendo ênfase na questão da  semelhança das magnitudes duas a duas. A seguinte é a versão de Al-Karajy, citada por Horup, 2007:


Descobres a quantidade desconhecida multiplicando uma das magnitudes conhecidas, por exemplo a soma ou a quantidade, pela que não lhe é semelhante, nomeadamente pela medida ou pelo preço, e dividindo o resultado pela magnitude do mesmo tipo.

Ibn al-Banna, matemático árabe do século XIII, também enfatiza a diferença das magnitude, mas não refere que a terceira é "do mesmo tipo".
Al-Qalasadi, matemático árabe do século XV, refere-se do seguinte modo relativamente à regra, fazendo uma referência nítida à proporção, mas sem comentar a semelhança ou não das magnitudes:



Se um dos extremos é desconhecido, descobre-se o produto dos meios e divide-se o resultado pelo extremo conhecido. E similarmente, se um dos meios é desconhecido, multiplica-se os extremos e divide-se o resultado a que se chegou pelo meio que é conhecido.
(Horup, 2007, p.6)

Não parece que os textos árabes discutam a versão hindu de colocar os números por ordem (Sarma, 2002), mas tal parece não ter sido necessário, uma vez que todos discutiam a questão de os números estarem em proporção, o que automaticamente os colocavam na ordem da respectiva proporção (a : b :: A : B).
Alguns autores árabes referem-se à teoria da proporção de Euclides, por vezes integrando-a com a apresentação da regra de três outras vezes mantendo-a como um tópico separado (Horup, 2012).
Ibn al-Banna, matemático árabe do século XIII, integra a regra na apresentação de proporções:

Os quatro números proporcionais são de tal modo que o primeiro está para o segundo como o terceiro está para o quarto. O produto do primeiro com o quarto é igual ao produto do segundo com o terceiro.
Ao multiplicar o primeiro pela quarto e dividindo o produto pelo segundo, obtém-se o terceiro. [...]
Qualquer que seja desconhecido entre estes números, pode ser obtido por este procedimento a partir dos outros três números conhecidos. O método consiste em multiplicar o número dado isolado, diferente dos outros dois, pelo que está em contrapartida com o que se ignora, e dividir pelo terceiro número conhecido. O resultado é o desconhecido.  
 (Horup, 2012, p. 10)

Al-Biruni, matemático árabe do século X-XI, que se sabe ter viajado pela Índia, arranjava os termos da proporção verticalmente (Sarma, 2002), ou seja,  de uma forma era muito semelhante ao que fazemos hoje em dia, mas que nada tinha a ver com a forma como os matemáticos Hindus faziam.



A regra de três na Europa


Referências bibliográficas
Bronkhorst, J. (2001). Panini and Euclid: Reflections on Indian geometry, Journal of Indian Philosophy, 29, 43-80.
Horup, J. (2007). Further questions to the historiography of Arabic (but not only Arabic) mathematics from the perspective of Romance abbacus mathematics: Contribution to the "9ième Colloque Maghrébin sur l'Histoire des Mathématiques Arabes, Tipaza, 12-13-14 Mai 2007.
Horup, J. (2012). Sanskrit-Prakrit interaction in elementary mathematics as reflected in arabic and Italian formulations o f the rule o f three – and something more on the rule elsewhereMax-Planck-Inst. für Wissenschaftsgeschichte
Rosen, F. (1986) The Algebra of Mohammed ben Musa, Georg Olms Verlag.
Sarma, S. (2002). Rule of Three and its Variations in India. in: Yvonne Dold-Samplonius et al. (ed), From China to Paris : 2000 Years Transmission of Mathematical Ideas, (pp. 133-156), Stuttgart: Steiner Verlag.
Smith, D. (1926). The first great commercial arithmetic, Isis, 8 (1), 41-49.


Página criada em 02-03-2008                                                                                                                           história da matemática

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Liu Hui e o Manual Aritmético da Ilha no Mar (Haidao Suanjing)


Medição da altura de uma padoga, pelo método de Liu Hui, ilustração num livro do século XIII
Praticamente não se sabe nada sobre a vida do matemático chinês Liu Hiu (c. 220 a c.280), a não ser que era um oficial no período do rei Wei.

                                                                                                                       Selo editado na China, 2002

Com o objetivo de determinar um valor aproximado de π Liu utilizou um método de divisão círculo: usando um círculo inscreveu sistematicamente polígonos regulares de área calculável, inscrevendo até ao polígono regular com 192 lados, conseguiu determinar 3,141024 como valor aproximado de π. Liu Hui percebeu que o processo de divisão círculo que utilizado era teoricamente infinito, mas que se aproximava, na realidade, de um limite. 
Liu estendeu esse conceito de limites e indivisíveis, usando técnicas de dissecação para investigar e verificar fórmulas, já existentes, para o cálculo de volumes e áreas. Em particular, fez um estudo sobre o volume da esfera utilizando métodos teóricos que mais tarde viria a ser conhecido como o princípio de Cavalieri.
Ilustração de Tai Chen da explicação de Liu Hui da determinação de uma aproximação do número π 
(Selo editado pela Micronésia, 1999)

Liu Hui escreveu no ano de 263 d.C., um comentário a livro "Nove Capítulos da Arte Matemática" onde fornecia a justificação matemática para as regras e soluções dos Nove Capítulos.Ao seu comentário acrescentou um apêndice ao último capítulo do texto, contendo nove problemas.

Os nove problemas são todos sobre a medição de distâncias, de acordo com os seguintes temas:1 - Problema da ilha do mar.2 - Problema da altura de um pinheiro.3 - Problema da dimensão da distante cidade amuralhada.4 - Problema da profundidade de uma ravina5 - Problema da altura de um edifício visto de cima de um monte.
6 - Problema da largura da foz de um rio.
7 - Problema da profundidade de um lago.
8 - Problema da largura de um rio.
9 - Problema do tamanho de um cidade vista de um ponto mais alto.
6 - Problema da largura da foz de um rio.7 - Problema da profundidade de um lago.8 - Problema da largura de um rio.9 - Problema do tamanho de um cidade vista de um ponto mais alto.


Problema 1
Com o objectivo de medir a altura de uma ilha, coloque duas estacas verticais ao chão e de igual altura, 3 zhang, sendo a distância entre ambas de 1000 bu. Assuma que as duas estacas estão alinhadas com a ilha. Afaste-se 123 bu da primeira estaca (a que está mais perto da ilha), e observe o pico da ilha ao nível do chão; parece que a parte de cima da primeira estaca coincide com o pico. Afaste-se 127 bu da segunda estaca e observe o pico da ilha ao nível do chão, de novo; a parte de cima da segunda estaca coincide com o pico. Qual é a altura da ilha e a que distância está da primeira estaca?
Solução: A altura da ilha é 4 li e 55 bu; está a 102 li e 150 bu da primeira estaca. 

 Edição de 1726


 Problema 2
Agora mede um pinheiro de altura desconhecida numa montanha. Coloque duas estacas do mesmo comprimento, 2 zhang, de tal forma que a distância entre as duas seja 50 bu e que estão alinhadas com o pinheiro. Recue 7 bu e 4 chi da primeira estaca [a que está mais perto do pinheiro]. Observe o topo do pinheiro ao nível do chão e descobre que o topo do pinheiro coincide  o topo da estaca.; observe de novo a base do pinheiro e descobre que a base está a 2 chi e 8 cun do topo da estaca. De novo, recue 8bu 5 chi da estaca da frente. Observe o topo do pinheiro ao nível do chão e também descobre que coincide com o topo da estaca. Diz: qual é a altura do pinheiro e a distância entre a montanha e a estaca da frente
Solução: A altura do pinheiro é 12 zhang, 2 chi e 8 cun. A montanha está a 1 li e 28+4/7 bu da primeira estaca. 

(Citados por Shen Kangshen et al.)



 Problema 3
Agora, olhando para o sul numa praça de uma cidade de tamanho desconhecido, ergue duas estacas afastadas, na direção leste-oeste, de 6 zhang unidas por uma corda, ao nível dos olhos. Faça com que a estaca oriental esteja alinhada com os cantos Sudeste e Nordeste da cidade. Mova-se bu destaca do norte observe o canto noroeste da cidade, a linha de observação intercepta a corda em um ponto 2 zhang chi 6 1/2 cun da sua extremidade oriental. Mais uma vez, mova-se para trás no sentido do norte 13 bu chi e observe o canto noroeste da cidade, a estaca coincide com a estaca ocidental. Qual é o (comprimento do lado] da cidade quadrada, e quão longe está a cidade da estaca?
Solução:  A medida do lado da cidade quadrada é 3 li 43 3/4 bu. 


Problema 4
Agora 
 com a finalidade de olhar o fundo de uma  ravina, coloca um esquadro de um carpinteiro de altura 6 chi no extremo da ravina. Observa o fundo da ravinada ponta do esquadro de carpinteiro, a linha de observação interseta a base em um ponto a 9 chi e 1 cun do canto do esquadro. Coloca outro esquadro de carpinteiro semelhante ao primeiro: a distância entre as bases dos [dois] esquadrados é de 3 chang. Observa do fundo da ravina a partir da ponta do esquadrado mais alto, a linha de observação interseta a base a um ponto 8 qui 5 cun [a partir do canto do esquadrado]. Quão profundo é a ravina? 
Solução: 41 chang 9 chi.

(Citados por Swetz, 1992)


Problema 5
Agora mede um edifício a nível do chão de uma montanha. Coloca um gnómon na montanha, cujo gou [cateto menor] tem de altura 6 chi; avista do topo do gou para baixo, para a base do edifício. A linha de visão corta o gu [cateto maior]  inferior a uma altura de 1 zhang e 2 chi. Coloca outro gnómon [do mesmo tamanho] 3 zhang acima [do primeiro]. A linha de visão do topo do goupara a base do edifício corta o gu superior a uma altura de 1 zhang, 1 chi  e 4 cun. Depois, coloca uma estaca no ponto de convergência do gu. A linha de visão do topo do gou para o topo do edifício corta a estaca pequena a uma altura de 8 cun. Diz: Qual é a altura do edifício. 
Solução: zhang.

(Citados por Shen Kangshen et al.)

Problema 7
Agora mede um lago límpido com uma pedra branca no fundo. Numa margem coloca um gnómon, cujogou [cateto menor] tem 3 chi de altura; avista do topo do gou para a margem oposta. A linha de visão para a pedra corta o gu [cateto maior]  inferior a uma comprimento de 2 chi e 4 cun. Depois, coloca outro gnómon 4 chi acima do primeiro. Avista outra vez para baixo do topo do gou  para a outra margem, e a linha de visão corta o gu superior a um comprimento de 4 chi. A linha de visão para a pedra corta o gu superior em 2 chi  e 2 cun. Diz: Qual é a profundidade do lago?
Solução: zhang e 2 chi .


(Citado por Dauben)
 Página criada em 2002                           Última actualização 29-12-2013

sábado, 28 de dezembro de 2013

Anania de Shirak





Uma vez apaixonado pela arte do cálculo,
penso que nenhuma noção filosófica
pode ser construída sem o número,
considerando-a a mãe de toda a sabedoria.
Anania de Shirak

Anania de Shirak, nasceu na região de Shirak, na Arménia, provavelmente entre 595 a 610, e morreu, em cerca de 685, numa época em que a Arménia estava ocupada pelos árabes. 


Publicou livros sobre Cosmografia, os signos do Zodíaco, sobre as nuvens e os sinais atmosféricos, sobre problemas do calendário, uma Geografia da Arménia, etc. Traduziu inúmeros livros de grego para arménio, e foi um dos únicos autores da sua época a deixar uma pequena biografia.

Na busca de conhecimento científico, Anania viajou pela Grécia e esteve em Constantinopla. Estudou, durante oito anos, com o matemático bizantino Tychikos, em Trebizond. Por fim regressou à Arménia, em 651, onde abriu a sua própria escola, aparentemente a primeira do seu pais a ensinar o quadrivium. De acordo com Hewsen (1968) no final da sua vida tornou-se um monge da Igreja Arménia, contudo outros autores referem que este foi perseguido pela igreja no final da sua vida, tendo fugido para Veneza.

Entre muitos dos seus manuscritos, encontram-se alguns relacionados com a matemática.





Aritmética


Um livro de Aritmética (Xaraxcanakank), dividido em vários capítulos: 

  • Tábuas aritméticas (T'uabant'iwn) - o livro contém uma série de tabelas da adição, subtracção e multiplicação. O maior número citado é o 80 000 000.


Tabela de adições




  • Tábuas de recíprocos até 6000

  • Questões e soluções é uma colecção de 24 problemas matemáticos e das suas soluções. Muitos destes problemas têm como contexto situações do dia a dia e fornecem diversa informação sobre a história, a topografia e os costumes arménios. O primeiro e o oitavo problemas estão relacionados com a revolta dos Arménios contra os Persas, em 572.

Lista de soluções





  • Problemas para festas - "quando se pretendem dizer coisas alegres" dos problemas deste capítulo apenas oito problemas chegaram aos nossos dias.

Um livro sobre pesos e medidas  (Girk Vasn Ksroc' ew C'apuc').


Questões e soluções
Problema 1
O meu pai contou-me a seguinte história. Durante a famosa guerra entre os Arménios e os Persas, o príncipe Zaurak Kamsarakan levou a cabo numerosos actos heróicos. Três vezes, num único mês, atacou as tropas Persas. A primeira vez, derrotou metade do exército Persa. A segunda vez, perseguindo o seu objectivo, esmagou um quarto dos soldados. A terceira vez, destruiu onze avos do exército Persa. Os Persas que sobreviveram, duzentos e oitenta, fugiram para Nakhichevan. E assim, deste resto, descobre quantos soldados Persas havia antes do massacre.
Solução: 1760

Problema 2
Um dos meus parentes foi a Bahl e comprou pérolas por um preço muito bom. Ao regressar a casa, passou por Gandzak, onde vendeu metade das pérolas por cinquenta moedas cada uma. Depois foi a Nakhijevan e vendeu um quarto das pérolas por setenta moedas cada uma e em Dvin [vendeu] 1/12 das pérolas, cada uma por cinquenta moedas. Quando chegou a Shirak, tinha vinte e quatro pérolas. Agora, deve descobrir, quantas pérolas que tinha e qual era o seu preço.
Solução: Tinha 144 pérolas e seu preço era 6720 moedas.

Problema 3

Ouvi do [meu] professor que os ladrões entraram na sala do tesouro de Markanion  e roubaram metade do tesouro. Os tesoureiros encontrou apenas 421 cendinars e 3600 dahekans [1 cendinar = 7200 dahekans]. Agora, você deve descobrir, de quanto era todo o tesouro.
Solução: O tesouro era de 1686 cendinars.

Problema 4
O salário dos Frades Santa Sofia [é distribuído de modo]: Os diáconos recebem a 1/5 parte, os sacerdotes recebem a 1/10, os bispos recebem 200 dinheiros, os restantes recebem 2000 dinheiros. Agora, você descobrir, de quantos dinheiros é o salário do Frades Santa Sofia.
Solução: O salário do convento é de cerca de 3200 dinheiros.

Problema 5
O salário dos oficiais é distribuído de tal forma que: um quarto é dado aos respeitáveis, 1/8 é dado aos seniores e 150 cendinars é dado a outros oficiais. Agora, você deve descobrir, de quanto é o salário dos oficiais.
Solução: O salário dos oficiais é de de 240 cendinars.

Problema 6
Havia alfaces no meu jardim. Um romano entrou meu jardim para dar um passeio. Comeu a 1/5 e a 1/15 parte das alfaces. Como sabia que ele era ganancioso e mandou-o para longe do meu jardim. Contei as alfaces que sobraram. Havia 110 alfaces. Agora, você deve descobrir, quantas alfaces estavam no meu jardim e quantas é que o romano comeu.
Solução: Havia 150 alfaces e o romano comeu 40 alfaces.

Problema 7
Outrora estive em Marmet, a capital Kamsarakans. Deambulando ao longo das margens do rio Akhuryan, vi um cardume e ordenei que fosse lançada uma rede. Apanhámos metade e um quarto do cardume, e todos os peixes que deslizaram para a rede, acabaram num cesto. Quando olhei para o cesto, contei quarenta e cinco peixes. E agora, descobre quantos peixes havia ao todo. 

Solução: Havia 420 peixes.

Problema 8
Durante a famosa revolta arménia contra os Persas, quando Zaurak Kamsarakan matou Suren, um dos azats [de uma casca social superior] arménios, mandou um emissário ao rei Persa para relatar as notícias sinistras. O emissário percorreu, em cada dia, cinquenta milhas. Quinze dias depois, quando soube isto, Zaurak Kamsarakan enviou viajantes em perseguição do emissário, para o trazer de volta. Os viajantes percorreram oitenta milhas, em cada dia. E assim, descobre em quantos dias os viajantes apanharam o emissário.

Solução: 25 dias.
(citados por Yuly Danilov)

Problema 9 
Os Kamsarakans estavam a caçar em Gen. Caçaram muitos animais. Deram-me um javali. Como era muito grande, desventrei-o. As suas entranhas era a quarta de seu peso, a sua cabeça 1/10 do seu peso, as patas traseiras 1/20 do seu peso, suas presas eram  1/90 do seu peso. Seu tronco era de 212 litros. Agora, deve descobrir, qual era o peso javali.
Solução: O javali tinha 360 litros.

Problema 10 
Perto Marmet, no rio Eraskh  (Arax) pesquei um peixe. Escalei-o. A cabeça era um quarto do seu peso, a sua cauda era 1/6 do seu peso, o seu tronco era 140 litros. Agora, deve descobrir, qual era o peso do peixe.
Solução: O peixe tinha 240 litros.

Problema 11 

Um mercador passa por três cidades. Na primeira cidade paga metade e um terço dos seus bens de taxa. Na segunda cidade paga metade e um terço do que sobra dos seus bens. Na terceira cidade paga, de novo, metade e um terço dos seus bens. Por fim sobram-lhe 11 moedas. Quanto são os seus bens originais?
Solução2376 moedas.

(citado por Shen Kangshen et al.)

Problema 12 

Queria construir um barco, mas tinha apenas três dinheiros. Disse à minha família: "Cada um de vocês vai-me dar alguma coisa e eu vou construir de um barco". Um deles deu-me 1/3 do preço do barco, outro deu-me a 1/4, outro deu-me a 1/6, outro deu-me 1/7 e um deles deu-me 1/28 do preço do barco. Então, eu construí o barco. Agora,  deve descobrir, quantos dahekans custava o barco.
SoluçãoO navio custava 42 dahekans.


Problema 13

Um dos meus alunos comprou maçãs apanhadas em Kara e queria dar-me algumas. No caminho encontrou três grupos de jokers. Cada grupo ficou com a metade e o quarto das [restantes] maçãs. Ele deu-me as maçãs que sobraram [5 maçãs]. Agora deve descobrir, quantas maçãs ele tinha.
Solução: Tinha 320 maçãs.

Problema 14 
Havia um barril de vinho. Havia também três jarros. Encho os jarros de vinho. Um dos jarros ficou com 1/3 do todo o vinho, outro com a 1/6 e o último tomou a com a 1/4. Com o vinho que sobrou, com que enchi as tigelas tinha 54 pasesAgora, deve descobrir, quantos pases tinha o vinho.
Solução:O vinho tinha 126 pases.

Problema 15 
Tinha um cavalo puro-sangue e vendi-o. Com um quarto do dinheiro que eu recebi comprei vacas. Com um um sétimo comprei cabras, com  um décimo comprei bois e com o restantes 318 dahekans comprei ovelhas. Agora, deve descobrir, quantos dahekans me deram pelo cavalo.
SoluçãoO preço do cavalo foi 616 dahekans.

Problema 16 
Estava a construir uma igreja. Contratei um pedreiro, que colocava 140 tijolos por dia. 39 dias mais tarde, contratei outro pedreiro, que colocava 218 tijolos por dia. Quando o número de tijolos que o segundo pedreiro colocou igualou o número de tijolos que o primeiro pedreiro colocou, a obra terminou. Agora, deve descobrir, quantos dias depois [de ter contratado o segundo pedreiro] o trabalho terminou.
Solução O trabalho terminou 70 dias depois de ter contratado o segundo pedreiro.

Problema 17 
Um barco cheio de trigo ia a navegar. Uma baleia ia em perseguição do barco. Os marinheiros com medo da baleia deitaram fora metade do trigo para alimentar a baleia. No dia seguinte, deitaram fora um quinto do do trigo que tinha sobrado. No terceiro dia deitaram fora um oitavo do que tinha sobrado. Ao quarto dia deitaram fora um sétimo do trigo que tinha sobrado. Quando chegaram ao porto,  tinham 7200 [medidas de] trigo. Agora, você deve descobrir, quanto trigo tinham.
SoluçãoTinham 24000 medidas de trigo.

Problema 18  
Havia uma tina em minha casa. Fundi-a e fiz, com o metal, outras vasilhas. De um terço, fiz um prato; de um quarto, outro prato; de um quinto, duas taças; de um sexto duas caixas; e de duzentos e dez drams, fiz uma tigela. E agora, descobre o peso da tina. 
SoluçãoTinham 4200 drams.  
(citado por Yuly Danilov)

Problema 19  
Um homem entrou três igrejas e pediu a Deus na primeira igreja: "dá-me tanto quanto eu tenho e dar-te-hei 25 dahekans". E nas outras pediu a Deus o mesmo, e ficou sem nada. Agora, deve descobrir, quanto dinheiro ele tinha
SoluçãoTinha 21+1/2+1/4+1/8 (21 875) dahekans.  

Problema 20
A reserva de caça de 
Nersekh Kamsarakan, [soberano] de Shirak e Asharunik, era no sopé da montanha chamada Artin. Uma noite um grande manada de burros selvagens entrou na reserva. Os caçadores não conseguiram fazer frente aos burros e, correndo para a vila de Talin, contaram a Nersekh acerca dos burros. Quando ele chegou com os seus irmãos e azats e entraram na reserva, começaram a matar as bestas selvagens. Metade dos animais foram capturados em  armadilhas, um quarto foram mortos por setas. Os mais novos, que eram a duodécima parte de todos os animais, foram capturados vivos, e trezentos e sessenta burros selvagens foram mortos com lanças. E assim, descobre quantas bestas havia no início do massacre. 

SoluçãoHavia 2160 bestas
(citados por Yuly Danilov)

Problema 21 

O filho de Arshavir, Nerseh Kamsarakan, que foi o xará e o antececor desta Nerseh, ganha a guerra contra os nómados e faz muitos prisioneiros. Ele presentei o rei persa com a metade dos seus prisioneiros e dá um sétimo da outra metade ao seu filho. Depois, volta às suas terras. No caminho ele visita um dos Ministros e dá-lhe o oitavo dos restantes prisioneiros. Depois, visita Khoravaran e dá-lhe 1/14 dos restantes prisioneiros. Quando entra nas suas terras o seu irmão mais novo, Hrahat, vai ao seu encontro. Então dá-lhe 1/13 dos restantes prisioneiros. Depois, os homens nobres da Arménia vão ao seu encontro e ele dá-lhes a nona parte dos restantes prisioneiros. Quando chega a Vagharshapat dá 1/16 dos restantes prisioneiros às igrejas. Por fim, dá 1/20 dos restantes prisioneiros ao seu irmão mais velho, Sahak. Então, ele fica com apenas 570 homens. Agora, deve descobrir quantos prisioneiros fez.
Solução Fez 2240 prisioneiros.

Problema 22 

Ao celebrar o seu aniversário, o rei do Egipto premiou os seus dez oficiais com 100 barris de vinho de acordo com a sua patente de 1 a 10. Quanto vinho é que cada um recebeu?
Solução O primeiro-oficial recebe 1 + 1/2 + 1/5 + 1/10 + 1/55 barris de vinho.
O segundo 
oficial recebe 3 + 1/2 + 1/10 + 1/40 + 1/80 barris de vinho.
O terceiro 
oficial recebe 5 + 1/3 + 1/15 + 1/44 + 1/60 + 1/66 barris de vinho
O quarta oficial recebe 7 + 1/5 + 1/20 + 1/44 barris de vinho.
O quinto 
oficial recebe 9 + 1/11 barris de vinho.
O sexto 
oficial  recebe 10 + 1/2 + 1/5 + 1/10 + 1/22 + 1/30 + 1/33 barris de vinho. O sétimo oficial  recebe  12 + 1/2 + 1/10 + 1/22 + 1/30 + 1/33 + 1/55 barris de vinho.
O oitavo 
oficial  recebe 14 + 1/3 + 1/10 + 1/15 + 1/22 barris de vinho. 
O nono oficial  recebe  16 + 1/5 + 1/10 + 1/22 + 1/55 barris de vinho. 
O décimo oficial  recebe 18 + 1/12 + 1/22 + 1/33 + 1/44 barris de vinho.


Problema 23 

Havia um celeiro que tinha  duzentos Kayts de cevada [1 kayt = 41 4720 grãos]. Os ratos comeram toda a cevada. Peguei num e castiguei-o, que disse: "Comi oitenta grãos". Agora, você deve descobrir, quantos eram os grãos de cevada no celeiro e qual era o número dos ratos que comeram a cevada.
SoluçãoHavia 82 944 000 grãos no celeiro e o número de ratos que comeram a cevada, eram 1 036 800

Problema 24 

Há um reservatório em Atenas.Se abrirmos o dique A, o reservatório ficará cheio numa hora. Abrir o dique B, encherá o reservatório em 2 horas, e abrir o dique C, encherá em 3 horas. Quando estará o reservatório cheio de água se abrirmos os três diques?
Solução 1/4 + 1/6 + 1/12 + 1/22 [0.54(54)] hora 

(citados por Shen Kangshen et al)







Danilov, Y. (1993). The Problem Book of Anania of Shirak (ancient Armenian mathematics), in Quantum, Mar/Apr93.






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Última actualização 28-12-2013
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